quinta-feira, 29 de novembro de 2012

Transportes intermunicipais no ABC: o descaso é cada vez maior


Às vésperas da audiência pública de uma licitação-tampão, que será no próximo dia 28, ônibus não possuem nem assentos em bancos preferenciais.
Cenas de descaso para com o passageiro são cada vez mais comuns nos transportes intermunicipais por ônibus no ABC Paulista.
Com idade média de frota de 9,54 anos (isso mesmo, média, não máxima), os ônibus não são apenas velhos, mas muito mal conservados.
Nem mesmo o direito de lugares especiais é respeitado pelas empresas de ônibus e pela gerenciadora de transportes EMTU – Empresa Metropolitana de Transportes Urbanos, que deveria fiscalizar com mais rigor.
Vários micro-ônibus da Empresa Urbana Santo André, do empresário Baltazar José de Sousa, além de apresentarem diversos problemas mecânicos que interrompem as viagens, circulam sem nenhum tipo de punição pela EMTU com os assentos soltos, sobrando ao passageiro a incumbência de colocar os assentos no lugar ou viajarem em pé ao lado do banco quebrado num modelo de ônibus que é pequeno para a demanda, principalmente em horários de pico.
Se o passageiro quiser ir sentado na linha 151 deve pegar o assento no chão e consertar ele mesmo o banco. Foto: Adamo Bazani
Se o passageiro quiser ir sentado na linha 151 deve pegar o assento no chão e consertar ele mesmo o banco. Foto: Adamo Bazani
Na semana passada flagramos um ônibus nestas condições e o pior: os bancos sem assentos eram reservados para portadores de necessidades especiais, pessoas machucadas, idosos e gestantes.
O ônibus fazia a linha 151 (Santo André – Jardim Oriental / São Paulo – Fábrica Troll). O modelo é um micro da Caio, ano 2003, que, segundo o site da EMTU, está com a inspeção válida até agosto de 2013. Ou o problema ocorreu depois da vistoria, ou precisam ser feitas mais vistorias ou então fiscais fizeram vistas grossas, um assunto muito recorrente nas garagens de ônibus do ABC Paulista.
Mas não é apenas este veículo fotografado que apresenta bancos soltos. Em conversa rápida com os passageiros, todos relatam que o problema é constante. A capacidade do modelo é para 22 pessoas, mas todos andam com quantidade maior de passageiros. Como o ônibus é pequeno, com corredor muito estreito, é difícil se deslocar dentro do veículo para a porta traseira com o objetivo de desembarcar.
A Empresa Urbana Santo André faz parte do grupo comandado por Baltazar José de Sousa que possui as piores empresas do Estado de São Paulo, de acordo com o IQT – Índice de Qualidade do Transporte, ranking da EMTU.
A EAOSA – Empresa Auto Ônibus Santo André é a última colocada e a Viação Ribeirão Pires é a penúltima. De 40 empresas, a Urbana Santo André, do ônibus que aparece sem os assentos é a de número 25 e a Viação São Camilo, está na posição 28. Todas essas empresas são de Baltazar.
Os veículos destas empresas são constantemente vistos quebrados nas ruas atrasando a vida dos passageiros e também de quem anda de carro, já que onde param, estes ônibus geram congestionamentos na certa.
Mas não são apenas os ônibus de Baltazar que geram problemas. As cenas de veículos velhos, mal conservados, quebrados, soltando fumaça preta fazem parte de quase todas as empresas com linhas intermunicipais na região do ABC Paulista. É só dar uma volta e prestar atenção nos ônibus azul escuro que ostentam a inscrição: GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO.
É certo que algumas viações já investiram em ônibus novos, mas não é apenas a qualidade da frota o problema das cidades de Santo André, São Bernardo do Campo, São Caetano do Sul, Diadema, Mauá, Ribeirão Pires e Rio Grande da Serra.
Linhas desatualizadas, que não acompanharam as modificações sociais e econômicas do ABC que desde os anos de 1990 tem perdido seu caráter industrial para se tornar majoritariamente do setor de serviços, atrasos constantes, motoristas e cobradores mal educados e que andam sem uniformes ou asseio, não cumprimento de horários fazem dos transportes gerenciados pela EMTU no ABC, um dos piores do País, sem exageros.

EMPRESAS OPERAM DE FORMA ILEGAL

Em boa parte, a situação lastimável da região se dá porque na prática, as empresas de ônibus, mesmo que legalizadas, operam de forma ilegal, por mais contraditório que isso possa parecer.
É que a Constituição Federal de 1988 e a Lei 8.666, de 1993, determinam que todo o serviço público prestado por empresas privadas deve ser regido por um contrato de concessão elaborado mediante licitação. Mas no ABC o sistema ainda é de permissão precária.
E aí que a autoridade do Governo do Estado de São Paulo e da EMTU (autarquia estadual) esbarra e fica parada no poder de fogo dos empresários de ônibus.
A RMSP – Região Metropolitana de São Paulo foi dividida pela EMTU em cinco áreas. Em 2006, a EMTU conseguiu licitar os serviços em quatro delas, menos na área 5, que corresponde aos municípios do ABC.
De lá para cá, a EMTU tentou quatro vezes licitar os serviços da região. Três foram esvaziadas pelos donos de empresas de ônibus e uma foi impedida pela Justiça, a pedido dos empresários.
Em todas as outras áreas que foram licitadas, houve melhoria nos transportes. As empresas formaram consórcios operacionais mais organizados, parte da frota se tornou acessível, com piso baixo ou elevadores, os ônibus foram renovados e as empresas começaram a ter mais obrigações justamente previstas nos contratos.
É certo que ainda há problemas nestas áreas, mas nada se compara ao descaso do ABC Paulista.
Com permissões precárias, muitas datadas dos anos de 1970, as empresas do ABC, mesmo com as fiscalizações, operam praticamente como querem.
As exigências são mínimas.
A EMTU – Empresa Metropolitana de Transportes Urbanos – anunciou que neste ano concluiria uma licitação para as intermunicipais do ABC. Não conseguiu – de novo! O máximo que vai ocorrer é uma audiência pública às 14 horas no Consórcio Intermunicipal do ABC, na Avenida Ramiro Coleoni, 05, em Santo André, agora, no próximo dia 28. Serão apresentadas as principais propostas da licitação e o órgão vai receber as contribuições de sugestões. Se a EMTU desta vez conseguir, o certame deve ser concluído em março de 2013.
Mas não pense que esta licitação vai trazer grandes avanços.
Ela será na verdade uma licitação-tampão cujas permissões e não concessões só vão valer até 2016.
É que em 2016, os contratos das outras quatro áreas vencem e o intuito da EMTU é licitar “ tudinho de uma vez num montão no fim do ano” dos contratos, incluindo a área 5 do ABC.
Como serão permissões de apenas três anos, dificilmente outros grupos empresariais investiriam altos valores para ficarem pouco tempo e passarem por novo processo de licitação e, como pode ser visto, licitação de transportes é sempre marcada por polêmica, brigas judiciais e até casos de violência. Seria muito desgastante.

NÃO ESPERE GRANDES MUDANÇAS

O cenário no ABC não deve mudar muito.
Em Mauá, Ribeirão Pires e região, Baltazar deve continuar, mesmo que não diretamente. Depois das tentativas frustradas do empresário ligado a Baltazar, David Barione entrar no lugar da Leblon Transporte nas linhas municipais de Mauá, ele deve partir para as intermunicipais. Já há alguns ônibus zero quilômetro comprados em nome da Viação Estrela de Mauá , que seriam operar no lote 02 da cidade, mas que foram impedidos pelo fato de a Justiça reconhecer, em várias instâncias, a legitimidade da Leblon de operar o lote 02. Há ainda ônibus da Estrela de Mauá bloqueados na encarroçadora Mascarello por falta de crédito.
Para Santo André e São Bernardo do Campo, a predominância deve ser da família Setti Braga. Dona da Metra, empresa considerada modelo e com aprovação maior que do metrô, mas que não faz parte da área 5, apesar de servir o ABC, a família possui a Auto Viação ABC, em São Bernardo do Campo, e a Publix. A Publix foi formada em 2011 após a família comprar as empresas Interbus Transportes e Auto Ônibus Circular Humaitá, de Ronan Maria Pinto, e a Utinga, de Mário Elísio Jacinto.
Em Ribeirão Pires e Rio Grande da Serra, Nivaldo Aparecido Gomes deve continuar com as intermunicipais.
Na cidade de São Caetano do Sul, a família de Fábio Eustáquio Silveira, deve permanecer predominando.
Sebastião Passarelli, da São José de Transportes da cidade de Santo André, vai tentar permanecer.Junto com a família Gabrilli, à frente da São José, o empresário enfrentou restrições por parte da prefeitura de Santo André por não ter aceitado fazer parte do suposto esquema de corrupção envolvendo empresas de ônibus que, segundo o Ministério Público, teria motivado o assassinato do então prefeito Celso Augusto Daniel.
As famílias Locosselli, da Expresso SBC, de São Bernardo do Campo, Fogli, da Trans-Bus, também de São Bernardo do Campo, e Sófio, da Parque das Nações, de Santo André, tradicionais no ABC, tentam resistir, mas para muitos deles, que hoje são pequenos, a pressão é grande.
“É desanimador, a gente de vê sufocado” – disse um dos empresários ouvidos pela reportagem e que, por questão de segurança, não pode ser identificado.

MAMÃO COM AÇUCAR

O caráter tampão da licitação pode ser visto pelas baixíssimas exigências no certame de 2012/2013.
Não haverá exigência de idade média, só máxima de 10 anos para ônibus convencionais e de 12 para articulados.Ou seja, se as empresas trocarem só parte da frota, pronto, já estão dentro.
Aliás, o ônibus com os assentos soltos do início da matéria, ano 2003, ainda poderia rodar pelo ano que vem inteiro, apesar de estar em estado lamentável.
A população vai pagar o GPS dos ônibus. Em todas as licitações, as empresas de ônibus pagam pelos sistemas de monitoramento. Mas na área 5, o Governo do Estado vai instalar os equipamentos para as viações – com dinheiro público.
A EMTU promete readequar as linhas, deixando o sistema mais inteligente, reduzindo as sobreposições com as linhas municipais. A estimativa é reduzir 8,6% da frota, 10% das viagens, 11% da quilometragem percorrida e 2,5% das linhas.
Mas quais os motivos alegados pelos empresários para boicotarem até agora uma licitação que poderia melhorar a vida das pessoas?
Primeiro são os custos. Com base nos salários dos motoristas, que é o maior da categoria no País, dizem que operar no ABC é caro, isso sem contar com a topografia de algumas linhas. Mas nas outras regiões da Grande São Paulo, conforme a reportagem presenciou, há linhas mais difíceis que no ABC.
Também alegam indefinições e o temor de perderem a demanda para dois projetos ferroviários. O Expresso ABC e o monotrilho do Alvarenga.
O Expresso ABC vai seguir paralelo à linha 10 Turquesa da CPTM, mas com menos paradas.
Já o monotrilho vai servir São Bernardo do Campo, Santo André e São Caetano do Sul até a estação Tamanduateí, em São Paulo.
É verdade que estas linhas devem tirar demanda dos ônibus, mas não de todo o sistema intermunicipal do ABC, somente, no entanto, na área que os modais ferroviários vão trafegar.
Especialistas dizem que a resistência dos empresários se dá pela acomodação e pouca disposição de mudança. Renovar a frota para algumas empresas já faz parte de sua característica, mas para outras, é algo quase impossível, dada a situação administrativa e jurídica das viações. Há muito tempo, EAOSA, Urbana Santo André, Ribeirão Pires e São Camilo baseiam suas renovações comprando ônibus usados, mas um pouco mais novos, já dispensados de outras cidades do País.
Criação de consórcios também não é algo bem visto pela estrutura empresarial da região, pela qual, cada família está acostumada a dominar algumas cidades, sem invadir a vizinha, apenas passando eventualmente com os ônibus.
A questão é que o contrato da nova licitação mexe com muito dinheiro: R$ 1 bilhão.
Os números dos ônibus intermunicipais do ABC são generosos: 7,78 milhões de passageiros por mês, 153 linhas e 947 veículos.
Pelas linhas gerais da licitação de 2012/2013 só resta a população do ABC desejar: Que venha 2016
Vários ônibus da Empresa Urbana Santo André operam com bancos soltos e apresentam problemas mecânicos por falta de conservação. Problemas ocorrem com quase todas as empresas de linhas intermunicipais do ABC.
Vários ônibus da Empresa Urbana Santo André operam com bancos soltos e apresentam problemas mecânicos por falta de conservação. Problemas ocorrem com quase todas as empresas de linhas intermunicipais do ABC.
Adamo Bazani, jornalista da Rádio CBN, especializado em transportes

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