quinta-feira, 25 de julho de 2013

DIA DO MOTORISTA: Para ele, dirigir é uma alegria

História de motorista revela uma parte da memória do segmento de ônibus urbanos em São Paulo.
ADAMO BAZANI – CBN
Para a maioria das pessoas, o dia a dia das cidades significa estresse e cansaço. É o trânsito complicado, são os compromissos, horários apertados e às vezes gente nervosa que chega até faltar com a educação.
A rotina de um motorista realmente não é nada fácil.
Mas Ronaldo José dos Santos, que começou no segmento de ônibus urbano com 15 anos de idade, como ajudante de mecânica, tem uma receita para driblar as dificuldades da profissão: o bom humor.
Todo o dia para mim é como se fosse o primeiro. Não adianta ficar nervoso com o trânsito, com o passageiro que já entra no ônibus estressado. O importante é valorizar o dia que Deus no deu. Por isso, trabalhar para mim é uma alegria. Faço brincadeiras com os passageiros, com meus colegas, e assim, o dia vai ficando mais leve” – disse Ronaldo, que às vezes faz algumas performances como de Michael Jackson, Elba Ramalho, entre outros. Claro, apenas nos horários permitidos.
Quem vê Ronaldo hoje com 45 anos de idade e sempre esbanjando humor, não imagina que sua história remete a uma época importante de transição dos transportes urbanos de São Paulo entre 1990 e 2010.
Sua história no setor começa bem antes, em Ilhéus, na Bahia, sua terra natal.
Desde muito criança eu adorava ver os ônibus passando perto de casa. Não tinha uma explicação lógica. Minha família nunca havia trabalhado com ônibus. Mas quando eu olhava para os ônibus, eu sentia algo diferente, por isso que costumo dizer que a explicação é que eu nasci para dirigir ônibus” – lembra Ronaldo.
Aos 15 anos de idade, ele consegue um emprego na empresa Util Ilheense Ltda, como ajudante de mecânico. Ronaldo tinha verdadeira admiração pelos modelos da Thamco e pelo Marcopolo Veneza II. Na empresa, ele trocava óleo hidráulico, óleo de freio, água do radiador e óleo do motor.
Mas passados poucos meses, começou a manobrar os ônibus na garagem, mesmo sem permissão. Isso rendeu a Ronaldo umas broncas no início, mas a convicção que dirigir era sua missão de vida.
Aos 18 anos se alistou e foi para o Exército. E nas Forças Armadas adivinhem o que Ronaldo fazia? Era motorista. Depois de servir ao Exército, ele quis continuar a vida sendo profissional do volante. Mas ele tinha uma meta: ÔNIBUS URBANO.
O motorista Ronaldo José dos Santos usa o bom humor para tirar de letra as dificuldades do dia a dia na cidade. Sua história conta uma importante parte da história dos transportes em São Paulo. Foto: Adamo Bazani
O motorista Ronaldo José dos Santos usa o bom humor para tirar de letra as dificuldades do dia a dia na cidade. Sua história conta uma importante parte da história dos transportes em São Paulo. Foto: Adamo Bazani
Eu sempre gostei de urbano. É no ônibus urbano que você faz parte do dia a dia das pessoas. Faz amizades, vê a cidade crescendo, se torna companheiro dos passageiros” – conta.
Em 1990, veio para São Paulo e consegue um emprego na Auto Viação Primavera, de Milton Leite, que tinha participação na Visul, segundo Ronaldo.
Na companhia, ele fazia a linha entre o Jardim Itápolis, na zona Leste de São Paulo, ao Sacomã, na Zona Sul.
A cidade de São Paulo, que já era uma metrópole continuava crescendo e o setor de transportes necessitava de reformulação.
A época era de Luiza Erundina na prefeitura de São Paulo.
Em 1991, a prefeita cria um novo modelo de transportes: a chamada municipalização, que na verdade, não poderia ser assim considerada ao pé da letra.
Isso porque, a iniciativa privada continuava forte no setor. Mas a empresa pública CMTC – Companhia Municipal de Transportes Coletivos – ganhava mais destaque e a forma de gestão do sistema mudava.
As linhas tinham maior controle por parte do poder público e as empresas eram remuneradas pelos serviços que prestavam e não apenas pelos passageiros transportados. Era a chamada remuneração por quilômetro rodado, uma forma de simplificar a explicação do modelo de gestão, que não se baseava apenas neste item.
Os transportes de uma maneira geral, melhoraram. Mas as empresas se aproveitaram e colocavam às vezes ônibus demais nas ruas. Tudo com a anuência da CMTC.
Além disso, o principal não havia sido mudado. A falta de cuidado com os recursos da empresa pública: os desperdícios, os cabides de emprego e os abusos para com a CMTC continuavam.
Ao final do mandato de Luíza Erundina, o que se via era um sistema até melhor para o passageiro, mas que não conseguia se manter financeiramente. A CMTC estava quebrada.
O sucessor de Erundina, Paulo Salim Maluf, em 1993, em vez de tentar recuperar a empresa pública que tinha sido fundada em 1946 e foi exemplo operacional e até industrial na história dos transportes, decidiu entregar seus serviços à iniciativa privada.
A privatização começou em 1993, inicialmente com a venda do sistema de ônibus a diesel, e terminou em 1994, com o repasse para a iniciativa privada do sistema de trólebus de São Paulo.
No ano seguinte, 1995, a CMTC deixava de vez de ser a gerenciadora do sistema, sendo criada a SPTrans – São Paulo Transportes – empresa de capital misto.
Neste processo, a concentração do sistema nas mãos de poucos e grandes empresários foi aumentando com o passar dos anos.
E Ronaldo vivenciou isso, quando viu os serviços da Viação Primavera sendo assumidos pela Viação São Paulo em 1997, segundo ele, de Belarmino de Ascenção Marta.
Grandes empresários faziam acordos entre eles e eram comuns as trocas de empresas e frotas entre estes proprietários de companhias de ônibus.
No ano de 1999, a Viação Paulista operava parte das linhas da zona Leste. Segundo Ronaldo, que também trabalho na empresa, um dos sócios era Constantino Oliveiram o Nenê Constantino, outro grande empresário do setor.
Em 2003, já na gestão de Marta Suplicy, e como secretário de transportes, Jilmar Tatto, hoje titular da pasta novamente na gestão de Fernando Haddad, foi realizada uma licitação dos serviços.
As lotações foram legalizadas e transformadas em cooperativas e o certame acabou concentrando ainda mais os serviços. Os contratos desta licitação venceram este mês, e outra concorrência seria realizada, mas depois da onda de protestos em junho que pedia não só redução de tarifas, mas qualidade e transparência nos transportes, a licitação foi adiada e estes contratos validados por mais um ano, até 2014.
Ronaldo conta que toda essa transição foi difícil para a categoria. Repentinamente, uma empresa de menor porte poderia sair, ou mesmo uma de maior tamanho poderia trocar de dono.
Ronaldo ficou no sistema da Capital Paulista até 2010.
A última empresa que trabalhou em São Paulo foi a Himalaia, até então da família Santos.
A empresa foi alvo de sérias denúncias de irregularidades financeiras, jurídicas e fiscais no Consórcio Leste 4.
A parte dos ônibus elétricos foi assumida pelo Grupo de José Ruas Vaz, com a criação da Ambiental Transportes. José Ruas Vaz é o maior empresário de ônibus urbano da cidade de São Paulo e proprietário da fabricante de carrocerias Caio.
Ronaldo conta que dirigiu trólebus, mas sua paixão mesmo era os ônibus articulados.
Em 2010, a empresa paranaense Leblon foi declarada vencedora da licitação do lote 02 de Mauá pela Justiça e pela Prefeitura.
A notícia logo se espalhou na categoria e Ronaldo conseguiu uma vaga na empresa, onde, claro, dirige ônibus articulados.
Em pouco tempo, o bem humorado motorista fez várias amizades com os passageiros de Mauá com seu jeito descontraído, mas respeitador.
Já fizeram minha festa de aniversário dentro do ônibus. O urbano te dá uma convivência com as pessoas que poucos outros segmentos dão. É uma satisfação dar um bom para quem um dia foi seu passageiro, mas agora virou seu amigo, parte de sua vida” – conta Ronaldo, que revela outra paixão: o rádio.
Por causa do meu tio Paulo, lá na Bahia, ouvia muito rádio. Assim como o ônibus, o rádio também é um companheiro. E como eu gosto de urbano, quando o assunto é transporte, no rádio eu gosto do AM” – finaliza imitando a narração das vinhetas de várias emissoras por todo o País.
E com mais esta história, a reportagem presta homenagem a este trabalhador cujo dia é comemorado em 25 de julho e que ajuda as cidades a se desenvolverem, fazendo parte dos principais episódios que constroem a memória dos municípios.
Adamo Bazanijornalista da Rádio CBN, especializado em transportes.

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