a história de uma empresa e de uma família
No final do século XIX e início do século XX, milhares de imigrantes aportaram no Brasil em busca de oportunidades. A maioria dos imigrantes europeus procurava boas terras para o cultivo. Muitos vieram para a lavoura, substituindo a mão de-obra dos escravos, recém libertados. Outros, atraídos pelas perspectivas de comércio e pela industrialização incipiente, viram nas cidades um destino mais promissor. Foi o caso dos libaneses, que começaram a chegar ao Brasil por volta de 1880, fugindo da dominação turco-otomana, que durou de 1516 a 1914. A expulsão dos dominadores se deu durante a 1ª Guerra Mundial, dando lugar a um protetorado francês.
Assim como o domínio turco-otomano, também a Guerra, o desemprego e a fome por ela gerados fizeram milhares de libaneses partirem em busca de nova vida. O Brasil foi o porto escolhido por boa parte deles.
Neme Jorge Makhluf vem tentar a sorte em solo brasileiro no início dos anos 20. Embarcou num vapor italiano e após um mês de viagem chegou ao Rio de Janeiro. Fixou residência em Conselheiro Josino, distrito de Campos dos
Goytacazes, onde contou com acolhida de alguns patrícios. Como a maior parte dos libaneses que aqui fincaram raízes, Neme Jorge também começou a vida no Brasil vendendo mercadorias de porta em porta ou, como diziam, mascateando. Percorria cidades do interior
vendendo de tudo um pouco. Quando teve certeza de que nesta terra poderia ganhar a vida e, quem sabe, prosperar, voltou ao Líbano para buscar a família. Sua esposa já não era viva, mas o filho, Abdu Neme Jorge Makhluf, a nora, Faride Kssis Makhluf, com quem Abdu havia casado recentemente, a irmã, Matilde Abdu Neme Makhluf, e o sobrinho, Jorge Simão, embarcaram nessa aventura.
1925: a família desembarca no Brasil
A família chegou ao Brasil em 1925 para viver em Conselheiro Josino. Abdu, então com 25 anos, seguiu os passos do pai como mascate. Em pouco tempo, a família inaugurou, na localidade, uma padaria, onde produziam o hoje famoso pão árabe. Vendiam-no de porta em porta com as demais mercadorias. Naquele mesmo ano, nasceu Antônio Abdu Neme, o primeiro filho do casal Abdu Neme e Faride, que embarcara no vapor já grávida. Pouco tempo depois, a família defez-se da padaria, saiu de Conselheiro Jeosino e instalou-se na cidade de Campos. Lá, nasceu Fued Abdu Neme, em 1928. No ano seguinte, foram morar em Vila Velha, no Espírito Santo, onde voltaram a produzir o pão árabe e onde Faride deu à luz o terceiro filho, Nahim Abdu Makhluf, em 1930.
Jorge e Nahim. Ao fundo, fotos da família Makhluf em seus primeiros anos de Brasil
União da família fez o sucesso da empresa
Ainda meninos, os irmãos Antônio, Fued, Nahim e Jorge já mexiam com graxa, troco e volante, fazendo as vezes de mecânico, cobrador e motorista. Com o pai, eles aprenderam tudo sobre empresa de transporte. Acompanharam de perto sua luta e sofrimento, até que faleceu aos 52 anos, vítima de doença não diagnosticada e que lhe provocava fortes dores na coluna e no corpo, dificultando-lhe os movimentos. A mãe morreu de câncer, dois anos depois. O avô, o velho Makhluf, morreu em 1943, no auge da 2ª Guerra Mundial.
Uma das principais características da família e talvez a grande responsável pelo sucesso da empresa e pelo fato de estar até hoje sob a administração dos Neme Makhluf é a união. “Nós sempre vivemos juntos, nunca ninguém debandou para um ou outro lado”, afirma Nahim. Ele próprio, aos 18 anos, jogava no time do Americano e recebeu convites para jogar no Flamengo e no Fluminense, mas preferiu ficar ao lado da família e ajudar o pai na empresa.
Abdu Neme à frente da empresa
Era o jovem Abdu Neme quem comandava e decidia cada passo da empresa. “Ele passava dia e noite na garagem, embaixo dos ônibus, sujo de graxa. Ele mesmo pintava os ônibus, consertava o estofamento, encerava o teto e pintava com zarcão para impermeabilizar, resolvia problemas com a prefeitura, atendia os passageiros, fazia de tudo”, contam Jorge e Nahim emocionados. Para Nahim, naquela época, fazer transporte de passageiros era quase uma aventura. Durante a 2a Guerra Mundial, uma das maiores dificuldades enfrentadas pela São Salvador e outras empresas de ônibus no Brasil era conseguir combustível. “A gasolina só chegava uma vez por mês, em um determinado posto a cada vez. As filas duravam de 3 a 4 dias e a prefeitura de Campos entregava senhas para as empresas, informando quantos litros cada uma podia adquirir”, conta Nahim. A saída foi adotar outros tipos de combustível. Naquela época, a São Salvador já contava com 12 ônibus – faziam as linhas Barcelos, Grussaí, Pibeiras, Atafona, Tererê, Santa Cruz, Rio Preto, Parque Guarus, Fundão e Cidade Palha (hoje Custodópolis).
Gasogênio e álcool substituem gasolina
Abdu colocou dois veículos movidos a gasogênio, utilizando lenha para produzir o gás. “Era preciso levar um saco reserva para a viagem de volta. Eu mesmo colocava a lenha e rodava a manivela, ficava com o rosto todo sujo. O sistema era parecido com o das locomotivas”, lembra Nahim. O restante da frota passou a usar o álcool de usina 45º como combustível. “Não era esse álcool de hoje”, explica. Nos anos 60, nova dificuldade: “Não havia chassis para ser comercializado, apenas as longarinas. Os chassis eram montados na própria oficina.
Outras vezes, comprávamos o chassis no ferro velho, consertávamos o motor e mandávamos encarroçar na Cermava, e mais tarde, na Metropolitana e na Caio”, conta.
Pouco depois da II Guerra, a São Salvador deixou de operar as linhas de Atafona, Barcelos, Pibeiras e Grussaí, cujos itinerários eram mais longos. Além das que ficaram, incorporou a de Travessão. Atualmente, opera as seguintes linhas: Travessão, Paraíso, Canaan, Ribeiro de Amaro, Conselheiro Jeosino, Campelo e Quilômetros 13 e 14, todas ligando ao centro de Campos, e, no centro de Campos, a Nova Brasília. A frota total é de 27 veículos, sendo cinco micros e um rodoviário de luxo exclusivamente para turismo.
A empresa conta com cerca de cem funcionários e sua garagem, antes localizada no centro, onde hoje funciona a administração, foi transferida para o bairro de Travessão de Campos.
Javali e Severo:
os dois primeiros ônibus da frota da
São Salvador: Chevrolet 1928 com
carroçarias Ana Néri. Um deles no ponto
final, na praça do centro de Campos
Fonte: Fetranspor
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